OCINÓRI - A Tasquinha do Irónico

segunda-feira, julho 31, 2006

ESPÍRITO DE MATILHA


Espírito de matilha é aquele sentimento que leva as pessoas a unirem-se em torno de uma vontade comum na circunstância em que: individualmente, são mesmo muito fracotes; em matilha já são mais fortes mas metem nojo… não, não é a democracia que me refiro.
É um fenómeno sociológico curioso, mas como não percebo nada de sociologia, não vou por esse caminho (isto era mais para armar ao pingarelho).
Se nos conseguirmos des-envolver do que está a acontecer em cada momento que passa, é possível observar como se gera e massifica a empatia por uma ideia, corrente, torrente ou maldicente, sem motivo aparente mas com entusiasmo.

Há uns anos, no fim de um percurso pedestre em família, à entrada de um aglomerado de casas, eis que surge um canito(*), daqueles pequeninos, de pêlo bem tratado de cor de barro, impecavelmente nutrido, de dentes afiados, voz esganiçada. Sem motivo aparente (lá está o primeiro indicador!) o moleque late-nos ódio o mais estridentemente que consegue. Como que pelo efeito da flauta mágica, surgem de todos os lados milhares de primos desta criatura hedionda que, sem hesitar, canalizam a sua raiva na mesma direcção. Devo assinalar que apanhei um susto do caraças e só não molhei os calções porque tinha ido ao mato havia poucos minutos. Não sei quanto tempo passou; para mim, parou. O meu pai, num gesto para mim totalmente inesperado, avançou autoritário para a nuvem e produziu sobre esta um efeito de intimidação num gesticular de valentia que sou incapaz de descrever. Os estupores dispersaram, sem, apesar de tudo, nos deixar de lançar umas rosnadelas de soslaio.

Passados vários anos, vejo estes canitos nas trupes futebolísticas; nas pseudo-associações voluntárias, ou não, espontâneas, ou não, que se formam para ser do contra – o importante é ser contra; no Parlamento de Portugal, onde há um sítio e hora marcada para cães irem falar levianamente sobre coisas importantes, na certeza de que a matilha não vai deixar de uivar e ganir em aprovação. Vejo isto em sítios demais.

Fielmente o melhor amigo do homem, os cães não têm culpa porque não têm razão - e nós, que temos razão: temos razão?

(*) do algarvio: cão

3 Comments:

  • Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    By Blogger Rafeiro Perfumado, at 10:30 da tarde, agosto 01, 2006  

  • Desta vez excedeste-te, Gustavo. Este "post" irá sem dúvida constituir-se como um marco basilar deste blog que eu tão assiduamente frequento. E digo isto por dois motivos:
    1º A utilização vanguardista de duas fotografias, uma no início e outra no fim. Isto é visionário, senhores! Uma salva de palmas já! (CLAP-CLAP-CLAP-CLAP)
    2º A aplicação, sem qualquer medo, da palavra "pingarelho", qual cereja em cima dum bolo, ou figura de estilo a embelezar um discurso.

    Digam lá se eu não tenho razão?

    By Blogger Rafeiro Perfumado, at 10:31 da tarde, agosto 01, 2006  

  • Bem... eu tambem só posso dizer, que este texto é dos melhores que já li neste blog... Rendo-me... é mesmo o melhor! Adorei Gu...

    By Blogger Tentini, at 11:57 da manhã, agosto 02, 2006  

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