OCINÓRI - A Tasquinha do Irónico

segunda-feira, setembro 01, 2008

AS PESSOAS A QUEM NUNCA MORREU UM AMIGO PONHAM O DEDO NO AR

Sempre num cantinho cá dentro a sorrir e a brilhar.


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Genoveva Abreu

"Faz hoje oito dias morreu um grande amigo. À noite arranjei coragem para ir vê-lo à igreja: estava o caixão, estava a fotografia diante do caixão mas o Acácio não estava, nem era pessoa para se meter dentro daquela caixa, com aquele pano por cima. Tive de procurar dentro de mim para encontrá-lo e achei-o a sorrir
– António
dizia ele como de costume
– António
e continuou a dizer
– António
em mim, a falar com os berlindes que parecia trazer sempre na boca. Uma amizade desde os dezoito anos é obra. Durante a guerra escrevíamos cartas um ao outro, depois da guerra não era preciso escrever cartas, falávamos.

(...)
Na igreja procurei um cantinho para ficar a sós contigo. Apetecia-me chorar. Mas vinham cumprimentar-me e aguentava-me. Repetia o teu nome para dentro
– Acácio
sem os berlindes com que tu
– António
e a tua mão no meu ombro nos abraços meio esquivos, cheios de pudor, que são os teus e apesar disso, caramba, foste talvez o homem que mais me mexeu no corpo, tiraste-me dúzias de sinais ao longo do tempo. Que raio de pele a minha, uma Via Láctea de pontinhos: Ursa Maior, Ursa Menor, Cassiopeia, Sagitário, não me faltava nada. Digo estas coisas, amontoo palavras para me defender da emoção.
Chega de pieguices, dizia o meu pai, chega de pieguices. As pessoas a quem nunca morreu um amigo ponham o dedo no ar.
Acácio.
– Um dia publico as tuas cartas ameaçavas tu do meio dos berlindes. O pior é que ameaçavas a sério: cartas de rapazes em África e a tua mão, um segundo, no meu ombro. Um segundo apenas.

(...)
Achava-me desesperado e a sofrer mas senti tanto a tua amizade. E agora a caixa, o pano, o retrato, agora isto. Ao sair da igreja vieste comigo.
(...)
Quando o Henrique me segredou
Tenho uma notícia triste para ti
disse de imediato
– O Acácio?
disse de imediato
– Não
e fiquei sem ver nada uma porção de minutos. Agora vejo. Vejo a igreja, a caixa, o pano, o retrato. E vejo-nos a sair dali
– Vamos sair daqui
porque não nos diz respeito, palavra, não nos diz respeito. O que nos diz respeito é estarmos juntos num sítio qualquer, não importa qual, com mais silêncio que palavras. Até no silêncio os berlindes na boca, o cabelo branco desde os vinte anos. Abundante. Bonito. Também alguma coisa tinhas que ter bonito. Estou a brincar. Não faças essa cara que estou a brincar: graças a Deus todos os meus amigos são lindos. Isto não é uma crónica, é uma carta, como aquelas que nos escrevíamos em África. Não a publiques nunca, visto que é só para ti. E não quero, nem por um segundo, que me julguem lamechas. Você tinha razão, pai: chega de pieguices."




Absent friends, here's to them,

And happy days, we thought that they would never end,

But they always end.

Raise your glasses then to absent friends

The Divine Comedy

3 Comments:

  • (...) Se um dia soubesse que naquela hora maldita querias estar comigo, só porque eras meu amigo ... Apenas por isso, por seres meu amigo, entao tinha-te virado as costas no momento que te conheci e seríamos apenas conhecidos... Então naquela hora, não estavas lá, porque estavas sempre rodeado de amigos e eu não era um deles, logo não estarias lá àquela hora, naquele local.
    Só porque me quiseste dar o previlégio de ser teu amigo e porque eu nunca conseguiria virar-te as costas e não ser teu... estavas...
    Fazes-me falta, tenho saudades de tanta coisa...
    Mas se não ser teu amigo significasse que estarias entre nós com outros que seria meus e teus amigos então naquele momento em que a tua mãe nos apresentou, tinha-te virado as costas... mas ambos sabemos que não conseguia fazê-lo, e nem tu mo permitias e por isso me sinto culpado de ser teu amigo e tu meu e por isso não estás entre nós...
    Obrigado por tudo Rui e.... desculpa
    Akele Abraço
    JP

    By Blogger JP, at 9:02 da tarde, setembro 01, 2008  

  • JP...conseguiste fazer-me chorar.

    Abraço Amigo

    By Blogger Pegassus, at 11:52 da tarde, setembro 18, 2008  

  • Caro amigo... já questionei o teu blog no mau sentido por causa daquela péssima referência que fizeste á música "Hi, Hello, my name is Joe..." mas nestes momentos nem o ser mais vil do universo merece estar só... compreendo a dor que sentes, também eu já a senti... todos as sentimos, alguns sortudos... mais fracamente... outros, como nós, fortemente... a perda de alguém é diferente da longitude de alguém... se todos aqueles de quem eu sinto saudades estivessem apenas longe... eu não choraria, pediria a Deus que tivessem uma vida melhor... mas perdê-los para sempre é mais cruel... nunca os ver... quem nunca passou por isso pode pensar que é quase a mesma coisa mas não... há uma diferença entre saber que alguém está longe ou... desaparecido para sempre... se estão longe, podemos ter uma esperança, podemos saber se estão bem, rezar por eles, pedir por eles, encontrarmo-nos com eles ás vezes, falar com eles... mas no outro caso... não há nada a fazer, podemos rezar, podemos pedir... mas não encontrarmo-nos ou falarmos. Espero que a tua dor diminua um dia... deixo-te com uma frase que eu mesmo inventei para quem perde alguém.


    SE UM DIA ME PEDISSEM PARA ESCOLHER ENTRE UMA FAMÍLIA OU AMIGOS... EU ESCOLHERIA OS AMIGOS... PORQUE OS AMIGOS PODEM SER A NOSSA FAMÍLIA, MAS A NOSSA FAMÍLIA NEM SEMPRE É NOSSA AMIGA!

    Abraço

    By Anonymous Anónimo, at 8:38 da tarde, abril 16, 2009  

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